Por Geraldo Barchi
O termo aporofobia foi criado pela filósofa espanhola Adela Cortina, traduzindo-se como uma patologia social caracterizada pela aversão ao diferente. A fobia, aqui, se manifesta em desfavor daqueles considerados “sem recursos” (do grego, á-poros).
A expressão ganha destaque quando hora ou outra retoma-se o debate público sobre quais medidas poderiam ser tomadas para frear, controlar e em última instância abolir grupos de pessoas em situação de rua que também se enquadrem como usuários de drogas.
Em São Paulo, a questão é debatida com frequência, dada a ineficácia do Poder Executivo estadual e municipal em dar uma resposta à problemática que se instalou na região central da cidade, e que veio a ser chamada de “Cracolândia”.
O Rio de Janeiro, por sua vez, também enfrenta problemas similares. Nesta semana, o Prefeito da capital carioca, Eduardo Paes, voltou a sugerir (como fez dez anos atrás) a internação involuntária de usuários de drogas.
A crítica a esta modalidade de intervenção surge rapidamente, inclusive com foco na aporofobia, já que os motivos e circunstâncias que levam à formação destes grupos não são enfrentadas, optando-se por uma limpeza visual do ambiente (higienista?) e forçada de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade.
Para anotação e aprendizado: a internação compulsória ou involuntária de usuários de drogas deve ser a exceção da exceção, dependendo de solicitação extremamente fundamentada por cônjuge, companheiro ou parentes próximos, tais como pai, mãe, irmãos e filhos.
Inclusive, antes de cogitar a internação involuntária, o indivíduo que se encontra em situação de vulnerabilidade deve passar por uma interdição. A interdição, por sua vez, depende de perícia médica que comprove a situação de incapacidade, além da oitiva com Juiz designado para a decretação da interdição.
Percebe-se, assim, que o Legislador se preocupou em garantir que a interdição e a internação involuntária fossem precedidas de critérios estritos, de modo a evitar que tais institutos fossem utilizados de forma desenfreada.
O Poder Judiciário, por sua vez, também foi provocado a manifestar-se sobre o tema, formando maioria em agosto deste ano para decidir que governos estaduais e municipais não podem realizar a remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua, assim como o recolhimento forçado de bens e pertences.
A maioria foi formada após decisão individual do ministro Alexandre de Moraes na ADPF 976, que posteriormente foi submetida a referendo do plenário, o que acabou por confirmar-se.
No que pese a Prefeitura do Rio de Janeiro tenha recorrido da decisão, é certo que o plano apresentado pelo Eduardo Paes vai de encontro com a decisão do STF, que embora não transitada em julgado está vigente, e das diretrizes do decreto Federal 7.053/09, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua.
A expectativa, portanto, é que o Plano apresentado não seja levado a cabo, dados os entraves jurídicos que precisam ser superados para que algo assim possa ser aplicado pelo Poder Executivo.
Não obstante, embora este não seja o remédio adequado para o problema enfrentado, o Poder Público não pode manter-se inerte e deve buscar soluções para amenizar e/ou acabar com esta problemática, o que deve ser encarado sob o viés da saúde pública e da garantia de dignidade às pessoas que se encontram em situação de rua.
Neste aspecto, as falhas do Poder Público são evidentes, especialmente se considerarmos que em análise efetuada pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, constatou-se um aumento de 211% na população em situação de rua em todo o país, entre 2012 e 2020.
É urgente que busquemos uma solução para este aumento expressivo, rechaçando medidas populistas de viés higienista e aporofóbico.