Por Tatiana Coelho, Consultora em Proteção de Dados
A proteção de dados não é tema isolado que se limita à sua legislação específica e só encontra espaço na tecnicidade ou nas atividades da tecnologia da informação. Muito pelo contrário, a privacidade e a proteção de dados pessoais é tema que se correlaciona com questões afetas à área penal, eleitoral e, entre outras, trabalhista.
Na área trabalhista, objeto deste artigo, são encontrados diversos desfechos inesperados envolvendo princípios, direitos e deveres da Lei Geral de Proteção de Dados (“LGPD”), que embora [ainda] não esteja enraizada na cultura brasileira, não vem passando despercebida quando o conflito de pretensões chega ao Poder Judiciário.
Neste início de março, sentença proferida em Vara do Trabalho localizada em São Paulo, Capital, atendeu o pedido de uma empresa e recusou o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho de um enfermeiro que, no intuito de provar o direito que alegava ser detentor, juntou planilhas do Sistema de Gerenciamento de Internação do seu empregador e, com isso, infringiu regras inerentes à LGPD.
No entendimento da juíza que prolatou a decisão, a conduta do empregado configurou falta grave, o que ensejava a sua responsabilização. Resultado? Foi dispensado por justa causa, seguindo as regras do art. 482 da CLT.
O caso revela atenção especial para o tratamento de dados sensíveis, mostrando [na prática] que eles devem ser cuidados de maneira especial. O empregado tinha acesso a informações e documentos confidenciais, de maneira que essa confiança foi afetada. Entra em pauta que a intimidade e privacidade de terceiros foram violados, o que enseja responsabilização.
A dispensa por justa causa pautada na divulgação de dados sigilosos também foi reconhecida judicialmente em 2022, mas agora pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região. O caso envolveu acesso à informação que tratava da reestruturação da área de TI, com a contratação de empresa terceirizada e demissão de toda a equipe. O empregado que teve acesso através da máquina de um diretor da empresa durante trabalho de restauração, contou ao chefe de setor, que por sua vez, repassou a informação a outra pessoa.
A divulgação de dados sigilosos do empregador viola os deveres contratuais por parte do trabalhador e abala a relação de confiança anteriormente existente entre os envolvidos. Esse foi o entendimento do Tribunal, reformando a sentença de 1º grau que havia afastado a justa causa aplicada.
Importante destacar que nos dois casos o Poder Judiciário evidenciou a existência de alguma norma da qual o trabalhador tenha sido previamente cientificado e, consequentemente, descumprido. Isso quer dizer que, para além do ilícito, é essencial que a empresa possua mecanismos capazes de comprovar treinamentos e orientações, sem ficar presa àquelas políticas padrões e/ou feitas para enfeitar a parede. A adesão de um projeto de adequação à LGPD engloba o perfeito desenho dessas medidas.
Um contraponto. Teve desfecho surpreendente o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, quando decidiu que não representava violação à intimidade do trabalhador a utilização do registro de localização do aparelho celular como prova, em uma ação envolvendo o pagamento de horas extras. Dados de geolocalização serviram de prova ao registro das folhas de ponto da empresa, que alegava estarem corretas.
O entendimento de que “a prova digital é mais pertinente e eficaz do que a prova testemunhal” foi o fundamento da decisão proferida pela juíza que sentenciou o caso, mas também foi ponderado que não se trata de meio de prova que se possa considerar ordinário, justamente porque atinge a esfera da vida privada das pessoas.
Decisões favoráveis à integral aplicação da LGPD têm sido proferidas desde 2021, sendo importante que as empresas estejam atentas à interferência objetiva que ela traz para todas as áreas do negócio. A LGPD veio para ficar.