Por Dinovan Dumas
Há algum tempo o ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), usando e abusando da erudição que lhe é peculiar, aproveitou o suplício de Sísifo para falar sobre o trabalho de combate às fake news. Personagem da mitologia grega conhecido por, entre outras coisas, despertar a ira dos deuses, Sísifo foi condenado por Zeus à imortalidade e a viver a eternidade empurrando uma pedra gigante para o topo de uma montanha. Quando a pedra chegasse ao cume, rolaria de volta para a base, de modo que ele teria que empurrá-la de novo, de novo e de novo. O escritor francês Albert Camus interpretou a história em 1941 no livro “O Mito de Sísifo”. Para o autor, o castigo a que aquele homem astuto foi condenado era uma analogia à realização de um trabalho vazio e sem sentido.
Me lembrei desta história ao ler o PL 5167/09, que tem como objetivo proibir a equiparação das uniões homoafetivas ao casamento ou à entidade familiar. De autoria dos ex-deputados Paes de Lira e Capitão Assunção, ele é relatado pelo deputado Pastor Eurico (PL-SP).
Partindo do pressuposto de que a mitologia pode ser um ingrediente interessante para a estruturação das relações entre passado e presente, não pude deixar de pensar na tarefa angustiante que o deus dos deuses determinou para a vida de Sísifo — um entusiasta da felicidade — e sua relação com todas as recentes lutas que ocorreram até que o casamento homoafetivo pudesse, enfim, acontecer. E por enxergar que o olhar de parte dos congressistas brasileiros caminha na contramão do mundo.
Em dezembro de 2022, o parlamento norte-americano aprovou projeto de lei protegendo o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A medida não só freou o conservadorismo que a Suprema Corte do país sinalizava sobre o assunto, como vai em sentido totalmente contrário ao que o Brasil discute agora.
Há muito a comunidade científica fugiu das concepções limitadoras da sexualidade e passou a entender que restringir a sua definição apenas ao chamado sexo biológico e à reprodução, como previa Foucault — desprezando conceitos mais atuais, abrangentes e inclusivos — era inadequado. Ela entendeu que a educação sexual formal e restrita às questões anatomofisiológicas e fisiopatológicas não encontrava encaixe na sociedade moderna.
Em 2023, porém, o Brasil ainda tem congressistas sustentando a ideia de que o amor entre dois homens ou entre duas mulheres não pode ser equiparado ao casamento porque valores religiosos e fundamentalistas assim o querem. Seria bizarro, se não fosse cruel. E não só porque a base que sustenta esse raciocínio é a religiosidade cega, mas porque até quem caminha amparado pelos conceitos que sustentam o agnosticismo ateísta já entendeu que, na ideia de Jesus, sempre prevaleceu o amor.
O deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), sabedor de que o fundamentalismo religioso revela um certo prejuízo intelectual de quem o sustenta, questionou se o modelo bíblico de família de quem critica o casamento gay é compatível com o modelo de família do rei Davi, composto por um marido e oito esposas. Ou o do rei Salomão, composto por um marido, setecentas esposas e trezentas concubinas. Não teve resposta.
É cruel, portanto, enxergar que o Brasil ainda tenha representantes abarrotados desse vazio cultural e humano, e que sejam capazes de sustentar a necessidade de um projeto tão irrelevante para a sociedade. Enquanto as pessoas que defendem a proibição da união homoafetiva não enxergarem que essa tentativa de extinguir o casamento gay é imprópria, impotente e sem sentido, a luta pelas mudanças e pelos direitos homoafetivos continuará sendo um eterno jogo de empurrar pedras morro acima.
O amor é a saída. E disso, meu caro, nem Deus duvida.
*Artigo originalmente publicado no Jornal O Estado de S. Paulo (Estadão), no blog do Fausto Macedo.